15 de mai. de 2014

Narrativas indígenas são a base de grandes obras literárias, mas nunca foram reconhecidas como literatura.

Figura representativa de Ceci e Peri, personagens da literatura indígena brasileira do romance O Guarani (1857) do dramaturgo, romancista, cronista e jornalista José de Alencar. A obra do século XIX é a peça mais simbólica para o subgênero literário que passa por esse processo de avaliação.


Entre o processo de apropriação, expropriação e marginalização dos indígenas pelos brancos, está o da cultura simbólica, suas crenças e cosmogonias, uma riqueza para a qual ainda recusa-se conferir autoria, direitos e mesmo caráter literário. A apropriação deste território simbólico indígena já rendeu muitos romances e obras-primas para os brancos, mas mesmo nesse encontro prolífero, mantêm-se as distinções: o que o branco fez é pura literatura; mas as narrativas indígenas, não. Apenas mais recentemente uma parte de estudiosos busca colocar essas cosmogonias entre os textos literários, da mesma forma como ocorre com textos bíblicos ou as epopeias gregas. E muito mais recentemente ainda os indígenas conseguiram, eles próprios, publicar seus livros e suas histórias em seus nomes, sem intermediários.
Em Literaturas da Floresta - Textos Amazônicos e Cultura Latino-Americana, recém lançado pela Editora UERJ, a pesquisadora Lúcia Sá investiga a relação entre autores brancos e as narrativas indígenas e como cada um tratou o patrimônio dos nativos americanos. Vai de Gonçalves Dias, passa por Mário de Andrade, Darcy Ribeiro, Guimarães Rosa e até Mario Vargas Llosa, o mais abusado em termos de apropriação e manipulação do território simbólico indígena. Cita ela, nesta entrevista à Caros Amigos, que mesmo registros de antropólogos e diários de viajantes quase nunca citam nomes dos indígenas que lhes transmitiram as histórias. “Toda essa literatura foi publicada no nome de alguém que visitou ou trabalhou e os índios apareciam como meros informantes e não como os autores da história”, diz Lúcia. O trabalho da pesquisadora, que atualmente é professora de cultura brasileira na Universidade de Manchester, no Reino Unido, mostra também que o discurso que os ruralistas utilizam atualmente para justificar suas investidas sobre as terras indígenas tem suas raízes há séculos e está presente nas literaturas de branco e em bancadas conservadoras na política.
Caros Amigos - Você defende a linha da etnografia que busca dar status de literatura às narrativas indígenas. É caso de preconceito?
Lúcia Sá - Acho que, em parte, é um caso de preconceito; um preconceito muitas vezes não consciente. É também um caso de falta de conhecimento, as pessoas não conhecem e também não se interessam em conhecer. E também, de certa forma, são textos que têm sido lidos por uma antropologia mais tradicional, uma antropologia que tem feito um trabalho interessante, importante, mas para quem a abordagem literária não interessa. Aliás, muitas vezes são desconfiados dessas abordagens e dizem, com certa razão, que esses textos não são só literatura, que eles têm outras dimensões, enfim. Uma coisa que eu aceito; evidentemente, eles não são só literatura, como a Bíblia não é só literatura, como outros textos antigos não eram e não são só literatura.


Escrito por: Aray Nabuco 

Fonte: Caros Amigos
Extraído do site: fndc.org.br

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